Jul 4, 2016

[auto-residência] dia 1 - TPM anti-criativa

A arte e a música são um privilégio. Não adianta negar. Quem não tem algum tipo de privilegio temporário ou permanente da escala do espaço/tempo/dinheiro não os faz. Não é exatamente sobre ter ou não ter dinheiro porque essa situação pode ser permanentemente/temporariamente resolvida para qualquer um de maneira a abrir uma possibilidade na vida de realizar trabalhos artísticos. Pode ser algo experimental, vital, comercial, militante, desabafante, visceral, técnico, formal, nihilista, etc. O que na minha opinião é um privilégio de se fazer arte/música independente da técnica, estilo, ferramentas, intenções é na verdade a relação com O TEMPO/ESPAÇO físico/emocional. Em qual sentido? No sentido de se conseguir por algum motivo permanente ou temporário gerar um espaço/tempo para criar algo ou se relacionar com alguma idéia.

Criar arte/música não é algo que se faz em 5 minutos, durante um cigarro, depois de um DR relacional, no intervalo de almoço do seu trabalho, enquanto se limpa as fezes do cachorro, do gato, do bebê, da própria bunda. Não há espaço enquanto você se preocupa com as contas da sua mãe, com a saúde da sua tia, com o assassinato do travesti noite passada, com como as pessoas te olham quando você existe na rua, com o dinheiro da semana que vem, com cozinhar algo equilibrado, com as obras de viadutos superfaturadas, com responder o messenger, rulminar o amor que você sentiu noite passada, ouvir os problemas dos amigos na mesa da cozinha, dobrar as roupas que se rebelam contra o feng shui.

O relacionamento com fazer arte/música já começa no processo de se libertar dessas amarras para gerar espaço para refletir e se relacionar com um objeto, um som, um corpo, uma cor, um desejo. A partir daí, se você conseguir gerar espaço/tempo/emocional/físico para se envolver nessa investigação, já considere-se adentrando o universo dos privilegiados. Por outro lado, prepare-se, pois toda a alegria, auto-estima e prazer gerados por essa prática e investigação, em 90% dos casos, cairá por agua a baixo brevemente. Em primeiro lugar porque sempre vai ter alguém que não saberá fazer sua crítica de maneira construtiva e vai de cara detonar sua auto-estima, referências e intenções caso não sejam as mesmas que as delx; em segundo lugar, depois de consumada a pesquisa, aliás, até antes disso, você já se sentirá não beneficiando ninguém além de si mesma (e olhe lá) com essa prática e portanto, vendo apenas futilidade nesse processo; por último, você sentirá raiva das pessoas que conseguem simplesmente realizar arte/música com a consciência limpa/suja e raiva de si mesmx por não ser essa pessoa tranquila, nem temporariamente. Como agora.

BROXANTE