Mar 15, 2015

[Residência] [processo] A Tensão.04 - Radiação e música eletromagnética: experimentações musicais/sonoras/artísticas com rádios e bobinas.


A partir da compreensão das ondas e campos eletromagnéticos como produtores/geradores de som podemos incluir, além de instrumentos específicos (como o telharmonium e theremin) objetos e equipamentos que utilizam ou se contaminam com o princípio das ondas eletromagnéticas para por exemplo:

1) receber informação transmitida intencionalmente.

2) receber e transmitir por interferência campos eletromagnéticos.
3) fazer mapeamento de áreas onde ocorrem essas ondas

O rádio é sem sombra de dúvidas o mais popular, low-fi  e versátil sensor de ondas eletromagnéticas de todos os tipos! Ele pode tanto receber ondas de rádio naturais como as VLF presentes em tempestades ou fenômenos atmosféricos como as artificiais tipo AM e FM. Outra potencialidade dele é que pode se contaminar via interferência por campos eletromagnéticos de curta distância (como celulares, fontes de energia, transformadores, luzes, etc.).


Logo, o rádio se torna um instrumento muito completo passível de manipulação instrumental intencional (com gestos, articulações, dinâmica, etc) mas também com um adendo importante que é a origem dos sons que o alimentam. O material sonoro é externo e podemos através dele escutar crítica e socialmente a sociedade, fazer recortes em seus discursos, sintonizar ou gerar ruídos e interromper suas mensagens.

1) Experimentos com rádio - receber informação transmitida intencionalmente.


John Cage
Foi um compositor americano (1912-1992) que também era filósofo, escritor e artista. Cage foi pioneiro no uso de indeterminismo na música, música eletroacústica e uso não tradicional de instrumentos musicais. Sendo uma das figuras chave das vanguardas pós-guerra e determinante para as transformações musicais da música da segunda metade do século XX.

"Radio Music" 1956

Durante a década de 50 a televisão era apenas uma criança enquanto o rádio estava chegando ao fim da sua era dourada. Radio Music é uma peça para 8 rádios e foi composta usando combinações de frequências a partir da teoria da probabilidade. A partitura indica 56 frequências diferentes entre 55 e 156kHz, notadas com números e letras. De "A" a "H" os performers seguem uma sequências de sintonias de rádio (números) e silêncio (linhas). Obviamente a cada performance o resultado do conteúdo das estações é diferente.




















Performance de Radio Music pela International Contemporary Ensemble

https://vimeo.com/53527521

"Imaginary Landscape No4" 1951

A série de paisagens imaginárias foram escritas para instrumentos tradicionais e instrumentos que requerem eletricidade e a idéia foi criar paisagens imaginárias, porém, ao mesmo tempo, indicadoras de um futuro por vir onde sons urbanos, de instrumentos, eletrônicos e rádios seriam uma paisagem sonora comum nas grandes cidades. Na paisagem número 4 são utilizados somente rádios, um total de 12, tocados por 24 performers (cada dupla toca um rádio). A partitura fornece indicações de sintonia (controlada pelo player 1) e de volume (controlado pelo player 2). As combinações dos dois parâmetros para gerar a peça com articulações de duração e dinâmica foram geradas através de probabilidades extraídas do I Ching. Ou seja, essa peça utiliza de maneira mais tradicional a partitura e os parâmetros musicais, incluindo o pentagrama, a fórmula de compasso e a presença de um regente. Contudo, a cada performance o resultado, como em Radio Music, é diferente porque as estações não são pré definidas e incluem também estações vazias e ruído branco.




















Performance Mostra Sounds Like Silence da Hartware MedienKunstVerein de Dortmund.

https://vimeo.com/49007247

FM Keyboard v.1.0 de Vasco Alvo
Um instrumento híbrido de teclado e rádios. 12 rádios são desmontados remontados conectados em uma oitava de um teclado. Cada uma das 12 teclas controla o ligar e desligar dos rádios sintonizados em estações FM. Dessa maneira, ao tocar o teclado você liga e desliga os rádios que cada hora estarão tocando coisas diferentes. Ou seja, você pode usar a tocabilidade ou analogia de notas e acordes para tocar as estações.















FMKeyboard ao vivo.

https://www.youtube.com/watch?v=rTx3P4XbxeY#t=71

2) Receber e transmitir por interferência campos eletromagnéticos.


O comprimento do fio de cobre enrolado nas bobinas é o que afeta sua sensibilidade a diferentes frequências do campo eletromagnético. É por isso que o dial do rádio é ajustável e móvel, para ajustar o comprimento do fio, logo das ondas, que ele vai conseguir sintonizar. Esse conhecimento é importante para compreender a construção artesanal de captadores de campos eletromagnéticos. 

As chamadas V.L.F (very low frequenciy) são ondas de rádio naturais-atmosféricas que podem ser captadas e medidas por instrumentos específicos mas também com bobinas feitas em casa. Como são frequências muito graves, ou seja, com comprimento de onda muito grande, é necessário enrolar muitos metros de fios de cobre em um pedaço de madeira grande para gerar a bobina que consegue sintonizar os V.L.F. De aficionados por noise e eletrônica D.I.Y, aos estudiosos de field recording extremo e metereologistas amadores, esse tipo de onda "selvagem" é difícil de ser ouvida pois é encoberta facilmente pelas cidades. É necessário ir locais remotos para ouvir a energia eletromagnética que cruza o céu. A experiência Sui Generis de escuta de ondas V.L.F são as tempestades elétricas, chuva de meteoritos e a aurora boreal.


Lauren Carter e Joe Grimm: experimentos com pipas e V.L.F.



















Para ver e ouvir o experimento:

https://www.youtube.com/watch?v=4YgAi4eiU7U

Boas histórias e experimentos dos primórdios da computação musical são as de que se colocavam rádios sobre os processadores dos computadores antigos e eram escritos programas com instruções cíclicas. Esses ciclos eram calculados de maneira a emitir uma sequência de tarefas no processador cuja emissão eletromagnética gerava padrões sonoros que eram captados pelos rádios.


Infelizmente não consegui encontrar exemplos desses aparatos na internet porém, no livro Handmade Electronic Music*, Nicolas Collins menciona a instalação de Gert-Jan Prins e David First na exposição "Sub-V" no laboratório STEIM em Amsterdam como uma recriação dos processos acima. 


*Capítulo 1 - Circuit Sniffing: Eavesdropping on Hidden Magnetic Music, pág.15.



3) Fazer mapeamento de equipamentos e rotas na cidade onde ocorrem grandes concentrações dessas ondas.

Por volta dos anos 70 a artista alemã Christina Kubisch começou a usar indução eletromagnética para transmitir campos sonoros em fios que ela organizava em espaços e salas de exibição de maneira a formar labirintos sonoros. Eles eram montados em instalações onde as pessoas caminhavam pelos labirintos com fones especialmente feitos para captar esses campos eletromagnéticos.  em 2003 ela deu início a uma outra série de instalações site-specific chamada "Electrical Walks". Dando seguimento a pesquisa de décadas anteriores, os fones agora já bem mais desenvolvidos são utilizados para escutar "marcos sonoros" nas cidades resultantes de sinais eletromagnéticos emanados de fios de energia, postes, maquinaria pesada, portas automáticas, caixas eletrônicos, elevadores, etc. Esses marcos são vasculhados e mapeados e em seguida, experimentados pelas pessoas que com os fones, seguem os mapas das Electrical Walks.


Sound Labyrinths - 1970 


 























E abaixo, as Electrical Walks com mapa: