Sep 25, 2010

_Documentação/Diário_parte_08

Tridão, o devorador de infomares

"Ouvi essas mesmas coisas no Pireu. Uma boca muito salgada expressava-se de modo não muito diverso. (...) Dotado do mais aguçado e profundo ouvido jamais dado a um crânio possuir, tudo quanto penetrava naqueles labirintos emaranhados transformava-se na presa de um monstro singularmente ávido. A fera que se aninhava naquela vigorosa concha nutria-se de nitidez. Não sei quantas linguagens, quantas fórmulas digeriu! Quantas sabedorias transformou em substância escolhida! Quantos cérebros sugou! Eu a imaginava rodeada de destroços e dos cascos vazios de mil espíritos exauridos." (Valéry, 149:19)

Assim como Tridão, o Sidoniano, ou o Fenício, monstro sem corpo e que é só ouvido, descrito por Fedro a Sócrates no livro Eupalinos ou o Arquiteto de Paul Valéry, o projeto pretende, através da escuta, devorar a maré de ondas e radiações eletromagnéticas que nos envolve e que, apesar de nos ser insensível ao olho, não o é à outras instâncias mais sutis de nosso corpo-mente.


Nossa nau sem rumo que está prestes a atravessar o território soteropolitano é, pois o resultado de uma bricolagem, tanto em conceito como em matéria. Tridão "acreditava que um navio, de algum modo, deveria ser criado pelo conhecimento do mar, como que moldado pela própria onda!...Mas, na verdade, esse conhecimento consiste em substituir o mar, em nossos raciocínios, pelas ações que ele exerce sobre um corpo"


[foto retirada de http://www.flickr.com/photos/capitu/2258669121/]


Os carrinhos de café típicos em Salvador, além de servir ao cotidiano de muitos transeuntes, serve de ganha-pão a muitos desses trabalhadores, que diariamente levam às ruas seus produtos e trazem de volta ao lar seus meios de produção. Além do mais, suas rodas possibilitam ao vendedor, a mudança de local de acordo com a demanda, garantindo a constância nas vendas. A partir da utilização do conceito "à mão" dos carrinhos de café, por sua solução consagrada pelo uso de portabilidade e de mobilidade em acordo com o sentimento da circunstância, e de materiais igualmente "à mão" no nosso contexto de Belo Horizonte, como ferro velho de ônibus, engradados plásticos para transporte de alimentos e cargas no centro da cidade construimos nosso carrinho.

Lévi-Strauss observa que as criações da bricolagem resultam sempre em um arranjo novo de elementos pré-existentes, gerando novos universos a partir de seus fragmentos. A partir daí, a afim de revelar a verdade estrutural e conceitual de nossa embarcação mantivemos expostos seus elementos constitutivos: porcas, borboletas, barras rosqueadas, engradado, eucatex, esticador, cabo de aço, etc. Além do mais, o Adriano, se preocupou com que o carrinho fosse desmontável e todas suas partes têm alças para serem carregadas.


(...) a poesia da bricolagem lhe vem, também, e sobretudo, de que não se limita a cumprir ou executar; “fala”, não somente com as coisas, (...), como também, por meio das coisas: contando, pelas escolhas que faz entre possibilidades limitadas, o caráter e a vida de seu autor. Sem jamais completar seu projeto, o bricoleur põe-lhe sempre algo de si mesmo (1976: 42).

Começando a montar, o carrinho já com a bateria e o inversor.

E agora algumas histórias interessentes do percurso:
Quando ainda nada parecia resolvido, nós já estávamos a caminho do aeroporto. Não é nada fácil transportar nossa "tralha" (tom carinhoso)

e não é que parece que há mensagens ditas para nós, pescadores de satélites? [metalinguagem publicitária no aeroporto]
E não é que finalmente uma série de coincidências (algumas boas outras nem tanto) funcionaram como nosso deus ex machina resolvendo todas nossas questões do momento?

Enfim em Salvador, ótimamente recebidos pelo pessoal da Multi que muito tem nos ajudado!