Sep 19, 2010

_Documentação/Diário_parte_04

visão eletromagnética

domingo, 7:14 da manhã. as blitz de lei seca acabaram há horas, o último acidente de carro aconteceu há mais de uma hora, as patrulhas e as ambulâncias silenciaram suas antenas. os que saíram há minutos para fazer esporte, em maioria, deixaram os celulares em casa. pouquíssimos computadores com wifi acessam a internet, ninguém trabalhando. me arrisco a sair de minha gaiola de faraday e me expor às ruas.

um táxi passa, torço para que mantenha o silêncio. ao dobrar a esquina ele responde a uma chamada, já fora do meu alcance. no topo dos edifícios, as torres de celular têm um brilho fraco. vejo ainda uma ou outra parabólica de microondas, com seu túnel aéreo até a torre central, de onde sai uma dúzia de outros túneis, a teia onde se apóiam conversas e dados. mais longe, longe de incomodar, as antenas de televisão e rádio irradiam para todos os lados. olho para o edifício de mil janelas; em algumas se vê a luz tênue de algum router wifi, ou uma outra babá eletrônica; imagino o bebê que dorme ali dentro, assediado pela radiação antes mesmo de poder entender ou desligar o aparelho.

um homem passa, cansado. sua roupa pode ser elegante demais para aquela hora, mas o mau estado delas restaura a coerência do seu personagem. seu celular está desligado. ou terá sido atirado no lixo no momento em que amanhecia? dobro a esquina, escolho as ruas mais vazias, mas uma moça com muita energia e tensão e um celular dentro da bolsa vem chegando rápido. atravesso a rua? é improvável que alguém ligue a essa hora, me arrisco a seguir em frente. a poucos passos dela eu atravesso a rua de repente. ela tem o bluetooth ligado. a moça leva um susto mas segue em frente. porque as pessoas deixam o bluetooth do celular ligado?

continuo por uma rua bonita, com árvores e casas. podia ser sempre assim, luzes fraquinhas, um pássaro ou outro. mas meu caminho é bloqueado. um jovem com olheiras imbica seu carro de luxo na garagem de casa. para completar a ofensa, ele usa o controle remoto na minha cara para abrir o portão. é hora de eu voltar para a gaiola.

b.v.