Sep 20, 2010

_Documentação/Diário_parte_06

Metamorfose dos sentidos e o estaleiro Cego

Foram escolhidos os fantasmas magnéticos que vamos caçar pela cidade de salvador. Ainda não sabemos se nossa intenção será delata-los ou descobrirmos áreas que possamos nos proteger de suas presenças. Talvez não seja necessário tomar esse posicionamento uma vez que o fato de expor essas presenças invisíveis já seja assumir uma postura que não queremos ser assombrados sem lenços por documentos. Esses fantasmas estão por todos os lados e habitam a luz, os equipamentos, as comunicações, nossas entradas e saídas de edifícios e portões. Estão no nosso trabalho, no nosso telefone, quando esquentamos nossa comida, quando falamos com os queridos a distância, quando hackeamos hardwares e softwares ou jogamos videogame. Diferentemente dos fantasmas da cabeça e imaginário, talvez estes fantasmas só não habitem nosso sono, nosso escuro, nossos momentos de calma sozinhos e férias na montanha.

Talvez essa atitude de querer encontrá-los também não seja delatora e sim fetichista. Um desejo incontrolável de escutar e ver o invisível, de aprofundar a relação com as energias que cruzam nossos olhares e ouvidos a todo instante, que estimulam e tocam nossos corpos, que soam e revelam mundos proibidos e insalubres escondidos por entre o ar que respiramos, os telefonemas saudosos, as instituições que (des)respeitamos. Lembro-me da escuta pornográfica proposta no texto de Arthur Omar (Da Audição: Satisfação Garantida Ou Seu Silêncio de Volta.) e de repente penso que querer escutar esses fantasmas também é um fetiche. Me lembro dos poetas da recusa selecionados e traduzidos por Augusto de Campo onde ele por vezes, favorece escolhas de tradução baseadas nas sonoridades possíveis entre as linguas, mais do que no sentido do poema. Em um deles o poeta russo Boris Pasternak escreve sobre como convém deixar espaços brancos a beira do papel e das intenções, pois neles estão inscritos capítulos de uma vida inteira. Lembro ainda de uma referência em um livro escrito por Guattari e Deleuze sobre Kafka chamado Por uma literatura menor, explicando o ódio de Kafka a metáfora. Franz era um homem que acreditava em metamorfoses onde homens viram insetos e não em metáforas de homens se comportando como insetos. As vezes gosto de acreditar em metamorfoses possíveis onde escutamos e vemos frequências não humanas por obtermos de repente super poderes eletromagnéticos revelados pela vontade pornográfica e proibida de escutar os sedutores estímulos das torres, dos satélites e dos céus e não o que eles estão comunicando. Qual é seu timbre, seu ritmo, seus (des)harmônicos? Me permito estar exposta ao caos escondido de uma realidade que já me viola independente da minha concessão.

Por último lembro de uma história que me foi contada presente no livro Eupalinos ou o Arquiteto . Nesse livro Sócrates e Fedro falecidos, enquanto almas, conversam sobre perceber espaços. Sócrates conta a historia de um estaleiro Fenício que era conhecido como o melhor construtor de barcos de sua época. O estaleiro era cego e para talhar seus barcos aprendeu a escutar os ventos, o mar e as ondas. Tinha ouvidos tão poderosos que era capaz de com eles devorar monstros e tempestades. Eis que acredito que de repente as relações com o eletromagnetismo e as sonoridades podem deixar de ser uma metáfora de sentido para se transformar em uma metamorfose dos sentidos.

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