Feb 24, 2015

[Residência] Primeiros dias: notações possíveis para o desapego de quem fui/quem sou. *

Muitas questões surgiram a partir do início dessa residência de 3 meses. Em alguns aspectos, estão relacionadas ao fato de ha algum tempo eu não estar me perguntando questões relacionadas ao meu trabalho. Em algum nível eu estava confortável e ou desinteressada em a defini-lo melhor. Creio que estar trabalhando ha muito tempo com as mesmas performances e também com workshops ou atividades educativas tem grande papel nessa falta de perguntas. Por outro lado, não é como se eu estivesse em um momento super afirmativo, ou seja, certa e segura, cheia de respostas, portfolio e projetos engatilhando constantemente em residências, editais, exposições, projetos, etc.

Ou seja, creio que essa residência chegou em bom momento para começar a organizar meu trabalho do ponto de vista de quem tem hoje 31 anos de idade e passou por diversas experiências e fases e deixar de organizar e pensar o meu trabalho como uma sobreposição e justaposição de fases, momentos, obras, performances que vão se alinhando em novas páginas em sites, registros em vimeo ou linhas e mais linhas no currículo.

A cada ano que passa em que atualizo o currículo sinto que as linhas que passaram não mais me representam, bem como as linhas que surgem são em algum nível re-organizações de idéias velhas ou apenas necessidade trabalhistas. Por exemplo: "deu o workshop X ou Y nos lugares 1, 2, 3, 4, 5" ou então "realizou a performance Z nos anos de 2014, 2013, 2012, 2011", etc. Como algumas pessoas tem me falado por aqui, você tem que escolher se seu portfolio será uma seleção de suas obras, se ele será um diário dos seus processos, se o trabalho X ou Y são de fato interessantes para você ou uma obsessão que nada lhe fortalece ou transforma ou indica novos caminhos. Enfim, não acho que nenhuma dessas coisas são uma verdade a ser seguida ou uma fórmula para organizar e transformar seu portfolio mas que devemos ter consciência da sua presença e existência. Não quero que meu portfolio e site seja metade diário, metade, currículo, metade obsessão, metade zine, metade partitura, metade video, metade audio, metade autoral, metade colaboração. Nem existem tantas metades em uma coisa. Ou seja, se cada uma dessas coisas é uma parte, preciso entender melhor o espaço que elas ocupam na minha vida e talvez hoje em dia não seja o mesmo espaço que um dia ocuparam. Se um dia foi metade, talvez hoje sejam 1/5 ou talvez nada. Ou, ainda, talvez eu precise liberar uma metade, independente do que contém a outra metade ou as outras partes, para uma nova ocupação e fluência que ainda não sei que forma ou espaço ocupará!

Consegui organizar em 5 itens os objetivos/questionamentos* atuais dessa residência. Alguns são profissionais, outros mais filosóficos, outros mais práticos.

1) Quais são as características do meu trabalho e quais os meus objetivos e questionamentos como artista?

2) Como organizar e apresentar um portfolio cuja maioria dos trabalhos estão em audio e vídeo de maneira a representar as questões apresentadas na questão 1? E, de maneira mais técnica, quais plataformas utilizar? PDF, navegação em site, keynote, brain, openoffice, video reel, podcast?

3) Existe um gap no meu portfolio. Em primeiro lugar, é necessário desenvolver uma trama que comporte os diferentes formatos (performance, instalação, trilha, autoral, colaboração, etc). Em segundo lugar, todos esses trabalhos são do domínio do efêmero cujos registros não tem potência de se tornarem obras em si e, ao mesmo tempo, cuja reprodução (no caso de performance) são difíceis de atingir e organizar devido ao caráter improvisado e DIY da maioria deles. Esse caráter DIY e efêmero é resultado de uma escolha estética e técnica ou de uma deficiência estética ou técnica?
Se a resposta for "uma escolha", não há justificativa de porque esses trabalhos não foram registrados de maneira mais profissional ou não tem possibilidade de serem feitos novamente ou transformados. Se a resposta for uma deficiência, então é uma justificativa de porque os trabalhos tem registros bonitos mas tem existência curta e não fértil. "like a hack: beautiful but short lived like a butterfly". Creio que essa é uma questão essencial para pensar os próximos trabalhos. Não quero que meus trabalhos sejam uma sobreposicão ou justa posição eterna de linhas em um porftolio, cada qual apontando para um lado. Quero trabalhos férteis e fartos. Trabalhos que possam ser enviados para lugares com ou sem minha presença, cujos registros possam ser obras em si, cuja existência envolva um desdobramento de meios e idéias. Ou seja, creio que cheguei em um ponto, o do tal gap que quis dizer lá em cima, onde preciso sair dos meus próprios clichês e investigar outros meios, outras maneiras de fazer, registrar, criar, etc.

4) Quais são as coisas que tenho vontade de criar e pesquisar aqui/nesse momento? Quais são os desafios? Fazer coisas que estou acostumada a fazer com outras metodologias ou fazer coisas que nunca fiz com os mesmos métodos que costumo usar?

5) Quais são os textos, conversas, assuntos, grupos de estudo, oficinas, influências e afetações que me estão sendo possibilitadas aqui de maneira a jogar luz nas questões acima e potencializar as transformações que busco?

* nota para self: jamais esquecer do privilégio que vc tem/está tendo de, antes de qualquer coisa, estar se fazendo essas perguntas.